segunda-feira, 13 de abril de 2009

A varanda, a morte e a criança

Ela tinha seis anos
e entedia a morte como ninguém

sentava na varanda da vó
olhando sempre pro céu

a vó não estava mais ali a algum tempo
agora era só o vô e todos os outros

ela não sentia mais o cheiro dos biscoitos
não fazia mais bolinhos de chuva

aquela menina sentada na varanda entendia tudo
ela sabia que a morte não era o fim

sabia que os sofrimentos acabavam pra vida poder começar
sabia que não existia mais tristeza

mas seu coração não queria se acalmar nunca
ela sentia saudades

mas também sabia que a saudade era só o pior
sabia que era bom ter saudade dos vivos

pros mortos a lembrança
eles não queriam lágrimas

ela queria esquecer a dor
deixar de lado o bichinho verde da raiva

ela não saia da varanda
ela não parava de olhar pro céu

ela entendia da morte
mas não precisava saber tanto assim

só tinha seis anos
só tinha acabado de nascer

domingo, 12 de abril de 2009

O homem

Daí que inventaram o homem
fizeram-no imperfeito e sujeito aos vícios
disseram a ele que saísse a aprendesse tudo que pudesse antes de voltar pra casa

ele foi, sem saber o que devia aprender
procriou, povoou a terra
daí criou civilizações
daí criou leis

continuou buscando, mas em algum momento esqueceu do seu único real destino
começaram a se dividir, então, duas classes de homens
os que continuavam a busca pelo aprendizado
e os que achavam que de tudo já sabiam e agora só queriam ensinar aos outros homens

o segundo tipo de homem criou muitas coisas
colégios, universidades, mais leis e instituições
criou a mentira e mil formas de alimentar a vaidade
semeou a descrença no poder pessoal e disseminou a fé num criador punitivo e autoritário

tendo o segundo tipo feito tudo que era possível,
sobrou ao primeiro apenas sentar e contemplar as mudanças
ver o mundo avançar em uma velocidade que o espantava
restou a ele refletir

sobrou ao primeiro tipo pensar em como ele poderia aprender mais naquele mundo tão diferente do mundo que ele conhecerá outrora
e ele pensou, na verdade, desejou de todo coração encontrar o conhecimento
então, desesperado chorou, sentiu-se incapaz,
sentiu-se sobretudo, sozinho

questionou-se e quis saber porque não conseguia encontrar as respostas dentro de si
e, de fato, achou que teria fracassado em sua missão, enquanto o segundo tipo teve tanto sucesso

nesse momento, entretanto, ele sentou-se e tentou limpar sua mente
entendeu que a dor e o sofrimento pelo qual tinha passado a poucos minutos, era parte de sua natureza
entendeu que fracasso e sucesso são convenções abstratas, não existem por si só
entendeu que toda sorte de tecnologias não seriam suficientes para acalmar sua solidão
entendeu que todo conhecimento do mundo não cabe em um só homem
aprendeu, sentiu-se livre e, enfim, pode morrer e voltar ao seu criador.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

As grades

E qual é a graça do jogo se a cada movimento você deve cantar pra onde sua peça vai se mover?
E se for pra regular minha existência por horários, regras, previsibilidade, rédeas sempre tão curtas quanto as mentes, eu prefiro simplesmente não existir.

E quando todas as tentativas de convencê-los de que eu não consigo ser feliz se estou enclausurada nesta cadeia imensa de ordens e regras falharem,
talvez eu tente me enquadrar.
E quando eu falhar na tentativa de mentir pra mim mesma,
talvez eu sangre.
E quando meu sangue desistir das minhas veias e todos entenderem que talvez fosse melhor perguntar "como vai você?" ao invés do velho conhecido "onde você estava?",
talvez eu finalmente deixe de existir.